quarta-feira, 2 de maio de 2012

Transplante de pulmões e duma alma nova, se faz favor!

Ventiladores, sinais vitais fracos, dias de vida que se apagam a cada ponteiro remexido num relógio. Listas de espera, infelicidade de ter nascido com um pacote defeituoso! Preciso de ar, preciso de pulmões que não sejam menores, nem queimados ou com desconto! 
Quero poder fazer mais que dar três passos antes de desmaiar, de obrigar tudo a olhar para mim como a redoma de vidro do mais límpido cristal lá de casa!
Tráfico de órgãos!!! É isso! É essa a solução para saltar os milhares que esperam como eu! Há países com políticas diferentes, e a realidade nua e crua é unicamente uma: quero viver! 
Fortunas, dinheiro lavado, crianças, adultos, uma parafernália de órgãos a seu dispor.
A desculpa? morrem milhares em países do terceiro mundo, aos quais os órgãos já não fazem qualquer falta e acabam num destino, chamado de vala comum, onde os corpos são empilhados! México, Camboja, Uruguai, China (civilização versus excesso de população) e mais pesquisa faça mais lugares a oferecerem-me um lugar ao sol. 
Mas sejamos francos, e eu mais que ninguém, luto diariamente para poder fazer mais que tentar suspirar. Eu falo hoje para uma clínica clandestina, com médicos dos mais altos renomes universitários. Garantem-me que eu devo apanhar o próximo avião que terei o ouro a luzir numa arca com gelo, à hora marcada sem mais nem menos, basta o cheiro do dinheiro entrar subtilmente nas narinas e a operação começa sem qualquer imposição. 
Fala-se que atropelamentos são acidentes frequentes e que surgem sempre naquele momento da maior aflição onde os santos, e o próprio Deus, ficam arrecadados longe do que é visível aos olhos de qualquer um! 
Vou viver na troca da morte de alguém... soa-me bem, um hipócrita que daqui a uns meses faz tudo com os pulmões dum qualquer, que realidade seja dita se calhar amanhã morria porque a criminalidade lá é publicidade reafirmada! 
Mas... mas! Como atirar a consciência para a gaveta, esquecer que estou vivo por tanta coisa negra escondida, oculta, comprada! 
Eu quero viver, mas por mérito! Assassino? É o que serei provavelmente. Não sujo as mãos mas a mando, involuntário, ceifo alguém e pior a partir do momento que os instalem acondicionados, na perfeição, no lugar dos meus falsos fornecedores de ar a alma precisa de mil transfusões e não há no mundo transplante de alma em parte nenhuma nem mesmo no ebay!
Eu sou filho duma guerra injusta, e no meio disto tudo sou vítima mas amanhã serei eu o gerador de outra vítima! Corrupção, uso abusivo de poder, ciclo vicioso provocado por notas que serviam inicialmente para tudo ter um preço justo, uma troca de favores! 
Volta a asfixia, do outro lado do telefone aguardam a resposta. Não são os pulmões que me estão a tramar desta vez é a dor de pensar, a decisão forçada que leva o meu corpo ao nervosismo da mais alta tensão! Um último esforço, vá lá, um último para poder viver por mais cem anos: Quero morrer! O telefone continuou a balbuciar coisas, a persuasão e a sede de acrescentar mais uns cêntimos numa conta privada no Dubai! Fui claramente FELIZ naquele mísero segundo em que o ponteiro se arrastou um pouco mais e o coração parou!

1 comentário:

  1. Consigo ver neste texto um certo toque político e/ou, pelo menos, tocas numa parte muito sensível da sociedade. Sociedade esta que, desde cedo, foi sendo defenhada pelo interesseirismo de terceiros.
    Apesar de ainda jovem, o que deveria "exigir" da minha pessoa um pensamento mais altruista e positivo, creio sinceramente que este tipo de cenário não vai melhorar. Poderá mudar, mas tendo em conta o mundo cada vez mais povoado mas paradoxalmente mais solitário, individualista e egocêntrico, parece-me a mim que a inércia dos tempos é para o aumento das situações de desiquilibrio e desigualdade.
    O dinheiro falará sempre mais alto, a cotação do petróleo marcará os dias mais do que o nascer da estrela que nos rege, e nós, pequenos seres, seremos sempre números.
    Contudo, nada nos obriga a pertencermos ao rebanho natural criado pelos hábitos e costumes da sociedade. Nada nos obriga a sermos fotocópias dos restantes. E nada nos obriga a ficarmos resignados. Por mais minúsculos que possamos ser, podemos ser nós próprios. Podemos bater o pé quando toda a gente abana verticalmente a cabeça. Podemos gritar quando os demais pensam que é o silêncio que deve permanecer. Podemos agir quando tudo o resto pretende ficar imóvel.
    Tudo depende do tipo de pegado que queremos deixar neste planeta. Por isso meu caro, a tua força, a tua fome de viver tem de mostrar as garras, e tens de continuar a exalar estes teus pensamentos. Se ninguém mais o fizer, morrerás ciente de que pelo menos tentaste fazer a diferença! Continua! :)

    Beijinho

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